A CONCORDATA PREVENTIVA E O PRODUTOR RURAL
A cada dia ampliam-se notícias das dificuldades financeiras dos mais variados setores, avolumando-se a inadimplência, desembocando em concordatas e falências. Desta realidade, infelizmente, não está livre o produtor rural, ao representar parcela importante da economia. A questão passa a ser se o produtor rural, enfrentando percalços, pode obter os benefícios da concordata preventiva, evitando a insolvência.
A evidência que a empresa rural, formalizada numa das espécies legais , seja por cota ou sociedade anônima, está abrangida pela legislação falitária . O ponto basilar é em relação ao ruralista individual , o típico fazendeiro. A resposta deve ser positiva , anotando-se a existência de opositores. A verdade é que o Direito não ficar ausente da evolução socioeconômica. A legislação pátria sobre o tema data de 1945, havendo poucas alterações, consagrando que ao comerciante é conferido o privilégio , pouco honroso, de falir e, para livrar-se de tal sina, o de pleitear a concordata, seja preventiva ou suspensiva.
A visão mais tradicional do Direito Comercial sobre o comerciante é daquela pessoa que faz da mercancia sua profissão habitual, isto é , pratica atos de intermediação entre o produtor e consumidor, com fins de lucro, tudo sob a influência do Código de Napoleão. Neste sentido, decisões judiciais consagram se vedado ao produtor rural a faculdade de se obter o favor legal da concordata , abrangido o pecuarista, como se lê em RT 154/595, 657/148 e RF 120/56, aliado a fortes posições na doutrina tradicional, como Carvalho de Mendonça , amparado em ensinamentos italianos ; ou ainda Humberto Theodoro Jr., Insolvência Civil e outros RT 640/28.
No entanto, uma das características mais marcantes do Direito Comercial é sua simplicidade, sem os formalismos do Civil, além de sua elasticidade , com caráter renovador e dinâmico, sem tornar-se inconstitucional ou imoral. É diante desta situação que o tradicional conceito de comerciante está alterando-se, acatando a visão moderna de atividade econômica organizada, mesmo entre o produtor e consumidor. A doutrina tradicional entende ser comerciante aquele que pratica, habitualmente e com fins lucrativos, a intermediação entre produtor e consumidor. No entanto, a doutrina moderna tem buscado substituir tal posicionamento pelo conceito subjetivo moderno, com atividade empresarial, tida como exercício profissional de qualquer atividade econômica devidamente e basicamente organizada, buscando a produção, circulação ou intermediação de bens ou serviços legalmente aceitos. Embora não formalmente adotado em lei, tal conceito foi acatado no Projeto do Código de Obrigações, no Anteprojeto ao Código Civil e no Anteprojeto à Lei de Falências.
A atividade rural exige do produtor uma série de registros peculiares, pagamento de impostos, prática de atos de intermediação perfeitamente identificáveis, na medida que compra o reprodutor, matrizes, vende crias, leite e derivados; compra bezerros, engorda-os em confinamento com rações e insumos, vendendo-os na busca do lucro; compra ou arrenda terras, adquire sementes, adubos, implementos, insumos, irrigação, armazena e vende o cereal, sempre em busca do lucro.
As instituições financeiras, oficiais ou não, oferecem, em sua ampla maioria, linhas de financiamento , seguro e congêneres ao agricultor, lastreada em contratos e títulos próprios e específicos, havendo constante veiculação publicitária a respeito. Acrescenta-se que o tema é fonte inequívoca de inúmeras pressões políticas, cujos reflexos se fazem sentir em toda a economia nacional.
Ora, tudo isso é ato de intermediação, com finalidade de lucro, tanto que sofrem a incidência de impostos e o próprio fisco federal poderá por ficção, transformar o produtor rural em pessoa jurídica (RT 566/194).
A questão da prática da intermediação é superada, ainda mais que decisões recentes consagram que a constatação de ser comerciante de fato, mesmo revestido de natureza civil, enseja a falência ( RT 602/69, 632/100), incluso o respaldo do STF (RTJ 62/194), portanto, viável é a concessão da concordata, até porque se falido, estando a disposição a concordata, suspensiva (art. 177 LF), será possível a preventiva.
A celeuma da obrigatoriedade do registro de comércio cai por terra, eis que o registro na Junta Comercial é ato meramente declaratório e não constitutivo da condição de comerciante, na medida que há possibilidade do exercício regular sem o registro da firma ou arquivamento na Junta (RT 539/89), com o CGC não sendo relevante par efeito de equiparação da empresa individual à pessoa jurídica ( Ac. 104.728/86, TJSP, 1ª CC) eis que “registro, por si só , não efetiva a qualidade de comerciante” (STF, RTJ 5/222).
A Decisão Normativa CAT- 1 , de 25.10.90, da Secretária da Fazenda do Estado de São Paulo, abordando o emprego do art. 259 e seguintes do RICM (S)/81, conclui pela sua aplicabilidade fundando a conclusão no fato de que “produção agropecuária se assemelha muito mais ao processo industrial do que a simples comercialização de produtos (Proc. DRT- 6.6273-89)”, sendo que tal relação não desaparece pela circunstância da atividade ser “ desenvolvida por pessoa jurídica ou simples produtor (item 4.4, DNCAT-1)”.
O Dec. 32.494, de 30.10.90, promovendo alteração no RICM(S), consagra, ainda mais o inequívoco comportamento empresarial do agropecuarista, solidificando as premissas de atividade econômica perfeitamente organizada, portanto, sujeita à favores e riscos de uma concordata preventiva.
Acrescenta-se, ainda que o produtor rural pode emitir duplicatas,nas vendas à prazo de qualquer bens de natureza agropastoril, ex vi Dec.–lei 167/67.
Certo é que o produtor rural deve cumprir as condições gerais da Lei Falitária , em especial quando aos impedimentos (art. 140) e obrigações (art. 158/60), além das formas de pagamento (art.156,I e II ), sendo usual em dois anos , 40% do passivo no primeiro e 60% no segundo , com acréscimo de juros bem como incidência da correção monetária.
A escrituração e as obrigações tributárias, atinentes ao pedido deverão estar corretas, pois sempre haverá o risco de , na hipótese de quebra, haver responsabilidade em crime falimentar, se assim se tipificar.
Exemplos práticos de concessão de concordata para empresário rural individual, do típico fazendeiro, podem se encontradas, entre estes na comarca de Salto- SP, no feito 746/87, 1ª Vara, demonstrando a legalidade e viabilidade do produtor rural, seja ele pecuarista, suinocultor ou agricultor, em obter o benefício legal da concordata preventiva, habilitando-o a restruturação financeira, evitando a insolvência total.
Convém, sempre recordar que o Judiciário é o último refúgio dos homens de bem, como ensina Kelsen, como o julgador devendo buscar, ao aplicar a lei, os fins sócias, às exigências do bem comum, atendendo a analogia, costumes e princípios gerais, ressaltando que é sempre melhor a concordata que a falência, a posição consagrada pela melhor doutrina e jurisprudência.
PUBLICADO NA REVISTA DOS TRIBUNAIS 703/244
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