CONSIDERAÇÕES SOBRE A BOI GORDO

Quero consignar não ser advogado de nenhum dos interessados ou mesmo investidor, daí minha isenção emocional nas considerações. A situação apresentada pela empresa Boi Gordo vem a reiterar a imperiosa necessidade do posicionamento do legislador que insiste em não avaliar o tema com eficácia, omitindo-se na reformulação da Lei de Falências, cujas alterações se arrastam há anos sem uma perspectiva de solução, enquanto pipocam situações graves que exigem a aplicação da norma editada em 1945, modernizada pela jurisprudência e normas esparsas.

A Lei das Falências possui ritos processuais próprios, usando de dispositivos esparsos, notadamente na área processual civil, penal, e processual penal, sendo a quebra um processo de execução coletiva, rateando resultados, por ordem de preferências, tendo o empresário honesto para evitar a bancarrota , a Concordata Preventiva, conferindo-lhe um alongamento do passivo, aliado a vital reorganização econômica.

A concordata possui três fases bem distintas: a primeira é o despacho ordinatório de processamento; a segunda é a sentença concessiva; a terceira é a sentença que julga cumprida a concordata e declara extinta as obrigações do concordatário. Todos os credores devem ser identificados, por natureza e classe, para ao vencer a parcela, serem pagos.

O despacho de processamento é procedimental, destacando-se que a inexistência de obrigações tributárias não é o impedimento ao pedido, pois os créditos fazendários, se existentes, podem ser cobrados pela via própria com obrigatoriedade da negativa de débitos tributários somente para sentença concessiva da concordata e não para o despacho de processamento procedimental.

A decisão que ordena o processamento da concordata é irrecorrível, pois é de mero expediente, como consagra a melhor jurisprudência. O deferimento da concordata não implica na impossibilidade de ser questionada sua legalidade. No entanto, o seu questionamento deve seguir as regras legais, sob pena de inviabilizar a pretensão. O Direito, além do mérito, é regido pela forma. Incontestáveis são as decisões que fixam a obrigatoriedade do cumprimento da forma, em especial em matéria comercial.

Com a publicação dos editais, informando o deferimento da concordata, tem-se a possibilidade do questionamento judicial. No caso vertente, inúmeras considerações são apresentadas, iniciando pelo local onde o pedido foi distribuído: Comodoro, tudo sob o manto de ser esta comarca a sede estatutária da empresa.
É dominante, em Doutrina e Jurisprudência amparada em lei, que o foro competente é o local do efetivo exercício de administração, ainda que o outro seja a sede social, por fixação estatutária.

A princípio, o foro competente seria uma das Varas Cíveis da Comarca de São Paulo, mas o conceito posto exige ser formalmente apresentado. E o Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente, é preciso ao fixar que a medida correta é o conflito de Competência, possível de ser proposto pela parte, Ministério Público ou mesmo pelo juízo.

O uso de medida diversa, tal qual Mandado de Segurança, somente se admitirá se considerar a decisão do Magistrado de aceitar o foro como teratológica, o que a princípio, inocorre, exatamente pela inaplicabilidade do Mandado de Segurança como substituto do recurso cabível, fixado em lei.

Interessante tema será a identificação de quem seria, efetivamente, credor da Boi Gordo, na medida que a Concordata abrange somente os créditos quirografários, ou seja, credores sem garantia ou privilégios, como o são os fornecedores, não atingindo os contratos bilaterais entre empresa e terceiros.

Tema controverso, certamente, é a aceitação daqueles que firmaram contratos de parceria, pois em verdade, não seriam credores, posto não terem oferecido nada para a Boi Gordo, por exemplo, insumos agropecuários, mas sim firmados termos contratuais específicos que não se resolvem com cordata. Nada impede, pois, que um dos fornecedores de insumo ingresse em Juízo exigindo a exclusão dos demandados “parceiros” do rol de credores, tornando a abrangência do pedido muito menor.

É inconteste a possibilidade do aderente aos contratos de parceria exigir seu cumprimento, tendo, ai sim, com foro competente a comarca de São Paulo sendo até mesmo se aceitar a competência do domicilio do contratante face as regras de defesa do consumidor. Recorde-se ser a essência do negócio da Boi Gordo os contratos de parceria de engorda implicando que, somente com o efetivo cumprimento dos contratos firmados haverá disponibilização de recursos para quitar débitos.

Argumentos de que Boi Gordo não poderia interpor ao pedido de concordata sob o âmbito de ser fiscalizada pela CVM ou ter natureza financeira, face os contratos firmados, não resistem ao cotejo da legislação. Outro aspecto não observado foi a nomeação do comissário, circunstância sempre tormentosa nesta seara, pois a lei atribui-lhe um papel relevante.

Destaque-se ser cargo de confiança do Juízo, mas recomenda-se que os credores auxiliem as atividades do Comissário. A viabilidade de questionar a nomeação é matéria tormentosa, mas os credores devem estar atentos ao efetivo cumprimento das obrigações do Comissário, destacando-se que este atua como fiscal e não como administrador, posto que a empresa continua sob a gestão do empresário.

Por final, pacífico que a Falência, em situações similares não é a melhor saída, tudo devendo fazer os interessados para que hajas um bom andamento ao processo, até mesmo criando mecanismos de recuperação, como já ofertado em situações semelhantes, como mais recentemente, se viu, na Arapuã, e Sharp, cumpre com a efetiva implementação do programa sob a pena de um fracasso retumbante.

PUBLICADO EM GAZETA MERCANTIL

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